sexta-feira, 30 de setembro de 2011

As crenças em torno da viola



RIQUEZA E MUITOS CAUSOS

Chico Lobo recorda que a música caipira autêntica tem uma riqueza imensa em suas letras, que normalmente falam de amizade e compadrecidade, refletindo a imensa moral do homem que vive por suas próprias mãos, da mesma forma nos casos, em grande parte verídicos, narrativas de profunda poesia.
— São histórias que aconteceram com as criações, lá nas fazendas, no interior ou então são uns causos muito doidos — (risos) — em sua maioria ligados ao sobrenatural. Isso porque a viola é recheada de crenças e crendices da nossa tradição, da nossa cultura, como as fitas coloridas que carrega na viola — conta.
Explica Chico muito bem humorado:
— Além das fitas, todo violeiro que se preza usa o chocalho da cascavel dentro da viola, que serve como um amuleto para a sua proteção pessoal, contra qualquer sentimento negativo, de inveja, de ciúme etc., e também serve para alterar o som da viola. Segundo os caipiras, ele 'deferenceia' o som da viola — acrescenta.
E Chico ainda avisa aos mais medrosos:
— Se um dia você encontrar um violeiro que tenha uma fita preta pendurada na viola, corre dele porque é sinal de que fez pacto com o capeta, para se transformar em um grande violeiro —(risos). Eu mesmo já vi violeiro com a tal fita preta pendurada em sua viola — fala Chico.
E brinca:
— Os antigos contam que quem não tem dom jamais tocará viola, a não ser que faça uma simpatia ou entregue a alma ao capeta. O meu mestre Nelson Jacob, por exemplo, pegou uma cobra coral e passou nos dedos das mãos, sem deixar a cobra picar e a soltou. Não pode matar para não perder a magia. Imagina que durante dois meses a cobra o perseguiu tentando lhe picar para ter a magia de volta. Só depois que aprendeu uma reza com um outro violeiro mais velho, foi que conseguiu espantar a cobra.
E prossegue gozador:
— E tem um outro jeito também que pode ser mais fácil: a pessoa precisa encontrar na localidade, onde está enterrado o violeiro mais afamado, aquele que foi o melhor violeiro da região. Então ele vai até a cova do violeiro em uma sexta-feira, 13, santa, e de lua cheia, tem que coincidir tudo isso. Lá chegando, ele deve esticar as mãos, a partir da meia-noite e ficar rezando quanto for oração que ele conheça. Também contam que vem um espírito e entra na pessoa. Começa a entortar e quebrar os dedos. Se a pessoa agüentar assim até o galo cantar, no primeiro raio de sol da aurora, sairá dali um grande violeiro. Senão, é estudar muito! (risos), conhecer os violeiros dos grotões e toda a cultura da viola — aconselha.
Chico diz que isso não é exatamente lenda, mas a filosofia que faz parte do cotidiano do brasileiro caipira, das comunidades interioranas.
— Eu não canto uma música de museu. Essa cultura é antiga, mas atual. Se alguém sentar para conversar com um caipira, perceberá que ele sempre conta muitos causos, principalmente os de sobrenatural. Esses não faltam de jeito nenhum — explica Chico.
— Mas a folia de reis, a catira, a dança de São Gonçalo, a festa do mutirão, são festas em que as famílias se reúnem para fazer a colheita e auxiliar uma única família na mesma condição, em um sentimento do interior que chamamos compadricidade, um sentimento que traz em si valores sociais, de amizade, de união, que anda tão esquecido nos nossos dias, principalmente nas grandes cidades — conta.
— Depois de fazerem essa colheita, as famílias vão festejar, agradecendo o sucesso ao santo de devoção, com muita música de viola e muita dança. Isso está muito vivo no Brasil, atualmente, e vários artistas, nos quais eu me incluo, bebem dessa fonte, o seu manancial, a sua veia de inspiração para compor. Depois, processam e levam para os palcos, para os shows, para os discos — continua Chico.

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